quarta-feira, 11 de junho de 2008

Ao amigo

Tales, vou te contar que te vi sonâmbulo noite passada. Não parecias tu, como o menino contador de histórias que conheci no pátio de casa, escorado em travessuras sinceras, marcas da vida e dos becos. Nem parecia comigo agora, que já sou nova de manhãs e madrugadas sem ti. Me soava alma amarrotada, como se estivesses em desjejum eterno, caçando coisas que nem vejo mais. Esqueceste as margaridas, querido, me esquecestes ontem, quando mudei sem dar-te conta.
As incertezas grudaram-me os cabelos, Tales. O abismo da vida cruzou as pernas comigo, me inundou de águas, de cores finitas. Me trouxeram flores breves, mas de bonitas cores. Pena não poder contar-te minhas descobertas, meus amanheceres, pois teu livro de imagens não me comporta mais. Sei que tornei-me avesso para ti, e te perdes se outros pensam que és parte de mim, ainda que o sejas,mesmo que não me fales.
Mas se é tudo vão, amado Tales, ainda que sejas jovem para supor, esqueces de que te vi sonâmbulo ontem à noite, e que tenho te visto assim todas as tardes, e sempre que passas por mim esbaforido caçando margaridas pelo asfalto. Entrega-te pois ao que é vão, que, se tiveres sorte, a vida vai findar por si tuas imagens e me entregar a ti na tua mão.

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